domingo, 18 de fevereiro de 2007

Crueldade inata? Bondade inata?

Logo pela manhã, eu e o meu neto, de 5 anos, avistamos uma lagartixa minúscula dentro de casa. Fui retirá-la sob os gritos do meu neto que pedia para não matá-la mas que, ao mesmo tempo, queria vê-la longe. Consegui apanhar o bichinho envolvendo-o em um pedaço de papel e atirando-o pela janela. A essa altura, lágrimas rolavam pelo rosto do menino certo de que a lagartixa não escaparia viva da queda. Eu e a minha filha procuramos consolá-lo e, logo, ele estava mais calmo. E é sempre assim, desde que ele era, ainda, mais novinho, esse cuidado com os seres vivos. Certa vez, passava na TV uma cena de tristeza e vi que ele se comovia, embora nem soubesse falar. Passamos a ter mais cautela porque percebemos que ele parecia entender conquanto não pudesse, ainda, se expressar oralmente.

Nos últimos dias, quando muitos se poêm a discutir sobre deliquência juvenil, há os que se precipitam em afirmar que, aos 16, o ser humano já teria discernimento suficiente que lhe permitisse separar o joio do trigo, distinguir bem e mal.

Eu não tenho dúvidas de que, desde muito cedo, temos o tal discernimento, experimentamos sentimentos e sabemos quando há algum tipo de ameaça ao nosso bem estar e ao nosso ambiente. Não é preciso ler tratados de Psicologia para perceber isto, quando já se criou quatro filhos, quando se conviveu com crianças. Mas esse discernimento preliminar não dispensa a necessidade de sermos moldados, dia a dia. Se assim não fosse, nem haveria sentido em se discutir propostas pedagógicas, medidas educacionais. Se o ser humano nascesse bom ou cruel, tudo estaria definido, de antemão, tudo estaria entregue à fatalidade, a um destino que condenou a criatura antes mesmo que ela nascesse. Há o temperamento, a personalidade de cada um, mais egoísta, mais altruísta, mais contido, mais extrovertido... E essas características poderão ser acentuadas pela educação, pelo ambiente.

Entretanto, o fato de sermos dotados, desde cedo, de um certo grau de discernimento que permite que nos emocionemos com cenas de tristeza que mal podemos compreender, não significa estar apto para aceitar frustrações sem reagir com violência. Irrite uma criança tirando-lhe o brinquedo de que gosta e veja a reação. Mas ninguém dirá que essa criança é cruel, tem má índole, etc., etc.

Mais tarde, com a incompetência da sociedade para formar e educar, é que serão proferidas as maldições, as profecias invertidas: sempre foi assim, sempre teve má índole, etc.

Assim, também, o menor adolescente, embora dotado de discernimento, mas com hormônios em ebulição e altas doses de testosterona na corrente sanguínea, será, por vezes, incapaz de fazer a escolha certa; ainda não tem repertório suficiente para resistir às pressões do ambiente. A irresponsabilidade, o espírito de aventura e, também a prática de atos de crueldade são típicas dos muito jovens. Existem certos tipos de brincadeiras, entre elas o trote, a humilhação de colegas por características físicas, o bullying, que são manifestações de crueldade explícita, inclusive danosas aos que são alvo delas. Então, essas condições, que fazem parte do processo de crescimento de qualquer ser humano, tornam vulnerável o jovem que vive essa fase. Pais atentos percebem, interferem, corrigem, assim como as escolas. Mas, se estiver por conta de si mesmo, será dificil que o insipiente discernimento do adolescente venha a produzir somente resultados compatíveis com o convívio social.

A bondade ou a crueldade são como o caráter, o senso de responsabilidade e outras virtudes e vícios; para desenvolvê-los, ou não, precisamos do concurso da educação contra  mensagens negativas que recebemos ao longo da vida. Se os adultos são manipuláveis quanto mais as crianças que crescem nas ruas, em completo desamparo.